Parafuso: um amor para recordar
Campina Grande
I
29 de junho de 2017
Carlos Albuquerque de Melo, o Parafuso do trio de forró Os 3 do Nordeste. Foto: divulgação
Escrito por Luis Felipe Bolis
Editado por Adriana Araújo
Encontrar a residência de um dos moradores mais conhecidos do bairro Três Irmãs, em Campina Grande/PB, não é uma tarefa difícil. Onde reside a família de Carlos Albuquerque de Melo? Talvez as pessoas não conheçam o procurado Carlos entre tantos outros bairros a fora. Mas se a pergunta for “onde vivem os parentes de Parafuso, ex-integrante do trio de forró Os 3 do Nordeste? ”, logo alguém ensinará a direção certa.
Lá… onde um ônibus pintado sob uma cor preta faz vigília, habita um reduto da cultura paraibana e da música nordestina, além de uma família que busca se unir em todas as situações, sobretudo no momento atual, em que o hoje os leva a relembrar Parafuso e refletir sobre o maior mistério e paradoxo da vida: a morte.
O bairro Três Irmãs conviveu durante muitos anos com um bom vizinho. Os 3 do Nordeste, com um zabumbeiro que esteve presente com o trio desde a sua criação, em 1969. Os fãs, com um profissional cuja marca estava fincada no respeito pelo seu público, na paixão pelo trabalho, no teor romântico das músicas que compunha, no jeito querido de ser. Os amigos, com um amigo que buscava se fazer presente mesmo defronte a agenda cheia. A família, com um esposo, um pai e um avô especial, tranquilo, que sempre estava de prontidão a dar os melhores conselhos. Alguém que gostava de viver. Um apaixonado pelo primor da sua existência. Quem cita cada um dos adjetivos é Lisete Véras, Luis Carlos e Edra Véras, esposa e filhos de Parafuso, respectivamente.
Tantas palavras dão vida e características a Parafuso, nascido em 16 de janeiro de 1940 e registrado Carlos Albuquerque de Melo. Aos 16 anos, no auge da juventude e dos sonhos imortais, ele migrou para o Rio de Janeiro, e na Cidade Maravilhosa, a vida levou Carlos a percorrer por vários caminhos. Fez testes em um time, mas o sonho de jogador de futebol não se concretizou. Trabalhou numa fábrica de pinos, onde recebeu o apelido de Parafuso, devido ao corpo magro que tinha. Serviu à Marinha, geralmente pintando os navios. No entanto, restava a Parafuso encontrar a sua verdadeira vocação: a de zabumbeiro.
Em 1969, ele trocou o violão pela zabumba e juntamente com José Pacheco (Zé Pacheco) e Zé da Ema – que pouco tempo depois deu lugar a Erivan Alves (Zé Cacau) – e com incentivo de Jackson do Pandeiro, criou o Trio Estrela do Norte, que depois intitularam Luar do Sertão e por fim 3 do Nordeste, um nome que alcançou fama no Brasil, na América Latina e no mundo, que até os dias de hoje perpetua em uma nova formação do trio.
No diário da vida de Parafuso, a última página foi escrita em 03 de outubro de 2016, na Alemanha, quando faleceu após sofrer um acidente vascular cerebral. As luzes que um dia se acenderam nos palcos pelo Brasil a fora se apagaram nos instantes finais de sua trajetória. O show se encerrou, as cortinas de seus olhos se fecharam. Os fãs ficaram em prantos. Quase não se ouviam os barulhos da gente, dos pássaros e da natureza no bairro Três Irmãs. A família via um ente seu que por tantos anos se locomoveu entre viagens de trabalho partir agora para uma turnê sem volta.
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Parafuso em uma de suas apresentações. Foto: arquivo pessoal.
Parafuso e sua esposa, Lisete Véras. Foto: arquivo pessoal.
A história teve um ponto final? Não! Por meio de reticências, estas pessoas que são ligadas pelo laço familiar e pelo gosto da música dão continuidade às suas vidas e ao legado de Parafuso, Edra como cantora e Luis Carlos como zabumbeiro nos 3 do Nordeste, prosseguindo com o trabalho do pai no grupo, que tem a produção articulada por Lisete. Luis Carlos conta que, no primeiro show em que ele atuou no trio de forró 3 do Nordeste, era possível ler no olhar fixo do público a incógnita que perpassava as suas expectativas para com o novo zabumbeiro: “será que ele vai dar conta? ”. Sim! Ele mostrou que nas suas veias também corre o sangue de Parafuso, sangue de quem não desiste, de quem tem talento. “A gente faz questão de dizer: somos um trio. A gente não é uma banda, um conjunto, um grupo, a gente é um trio de forró”, ressalta Luis Carlos.
O presente remete às lembranças do passado, mais exatamente ao dia 21 de abril de 1978, data que Lisete se recorda bem. O dia em que ela conheceu o homem com quem viveria na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. “Eu conheci Parafuso quando ele estava lançando Forró do Poeirão. Eu fui apresentada a ele por uma menina chamada Lucimar, na beira da piscina da AABB de Campina Grande. Eu era muito novinha, tinha 17 anos na época, ainda magrinha. Aí quando ele voltou para fazer a turnê do São João aqui ele me procurou”, e assim, por meio de cartas e telefonemas, os dois foram conhecendo um ao outro. “Parafuso era o cara, e eu fui uma mulher muito amada por ele, a gente era muito de conversar”, estas são as palavras que Lisete externa de um relacionamento que durou quase 40 anos.
Casaram-se em 1981. Três anos depois veio o primeiro filho: Luis Carlos. Em 1987 nasceu a segunda filha: Edra. Lisete conta que a parceria entre os dois ocorria não apenas em casa, mas também no mundão de fora. Em meio a um show e outro, ela e o marido viajavam com os 3 do Nordeste.
Em 1994, enquanto o Brasil disputava uma Copa de Futebol e via o Plano Real ser aprovado, um novo desafio surgia na vida de Lisete Véras: ser produtora do trio de forró. Com a morte de Pacheco, que além de sanfoneiro também ficava encarregado de organizar a agenda da banda, e com os shows para o mês de junho que se aproximavam, ela aceitou o novo ofício que a vida tinha a lhe oferecer e que a fez derrubar muitas barreiras. “Foi muito bom eu ter assumido o trio, senão eu acho que a gente não tava no mercado”, e continua, “hoje tudo o que você vai fazer você tem que fazer por amor, porque o fazer por fazer não dá certo. O mais importante pra gente é o nosso público”.
Edra Véras recorda-se daquele a quem carinhosamente chamava de “paínha”. Mais que pai e filha, eram amigos que se conheciam profundamente um ao outro. Um pai que nunca precisou exercer o seu ofício por meio do autoritarismo. Uma filha sempre prestes a escutar os conselhos de seu pai, “minha filha, o caminho é esse, se você quiser seguir por aqui você vai ver as consequências lá na frente”, e que no presente agradece a Deus por ter passado 29 anos de sua vida ao lado de Parafuso.
“Eu estou feliz porque eu sei que ele está bem. Essa é a lei da vida: os filhos enterram os pais, e não os pais enterram os filhos. Então eu agradeço a Deus pela vida dele, pela vida da minha mãe, pela vida da minha família, e dizer que ele foi e é muito especial”, as palavras que ora saem em meio a um sorriso, vez ou outra também ecoam sobre lágrimas. Sempre é uma emoção para Edra falar do pai. Hoje, como cantora, ela reflete, “se um dia for para eu ser famosa e pisar nos outros, eu prefiro não ser ninguém. Eu trato da mesma forma desde um ‘roadie’ até um cantor, pois era dessa forma que ele era, e eu quero ser como ele era”.
As lembranças do zabumbeiro, do pai e do esposo são constantes na mente e no coração de Edra, Luis Carlos, Lisete, de toda a família e também das pessoas a quem ele ajudou, tal como uma mulher carcerária a quem ele que, graças a Parafuso, pode se alimentar enquanto cumpria uma pena no presídio, ou do caso de um radialista que foi incentivado por ele a não desistir de seus sonhos. Falar de Parafuso os faz lembrar de alguém que se completava doando um pouco de si para os outros.
Sua presença sempre será constante no coração dos admiradores e de uma das famílias mais conhecidas do bairro Três Irmãs de Campina Grande, uma vez que a principal herança que ele os deixou foi o amor pela vida e pelo próximo.